DIÁLOGO SOCIALISTA –
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Por Modesto Neto
"Agitador, sim!
Como é possível conceber a vida sem agitação? Porque o vento agita a planta, o
pólen se une ao pólen de onde nasce o fruto e se abotoa a espiga em que
amadurece nas searas. O gameto masculino busca o óvulo porque há uma cauda que
o agita. Se o coração não se agita, o sangue não circula e a vida se apaga. O
que dizer da bandeira que se hasteia ao mastro e não se agita? É uma bandeira
morta.
Qual é, por excelência,
o mérito tão grande de Bartolomeu de Las Casas? Haver agitado de maneira tão
extraordinária o problema do índio durante sua larga e fecunda existência. É
agitando que se transforma a vida, o homem, a sociedade, o mundo.
Quem nega a agitação,
nega as leis da natureza, a dialética, a ciência, a justiça, a verdade, a si
próprio. O crime não está em agitar, mas em permanecer imóvel”.
(Cambão: A face oculta
do Brasil – Francisco Julião)
É agitando que se transforma a
sociedade, o homem, o mundo. O ex-deputado e advogado político das Ligas
Camponesas, Francisco Julião, nos emociona não apenas com os discursos em
defesa da terra para todos, mas nas palavras que nos legou através das obras
que escreveu. Quando penso na figura que foi o Francisco Julião automaticamente
o que me vêem a cabeça é um sentimento de questionamento da ordem, do sistema,
das coisas como são dadas no mundo. Caviar, champanhe e frutos do mar para
alguns poucos e farinha com água para muitos. Questionar essa ordem é a cara do
Francisco Julião.
Agitar é viver apresentando ao
universo a sua versão do mundo e foi vivendo dessa forma que homens como Darcy
Ribeiro, Francisco Julião, Prestes, Brizola, Martin Luther King, Ernesto
Guevara e tantos outros fizeram história em seus países. Além destes, muitos
outros anônimos também fizeram história.
Na China em 1989 os estudantes,
trabalhadores e intelectuais que questionavam a corrupção e a censura do
sistema político foram massacrados na Praça Celestial na cidade de Pequim. No
Brasil muitos foram aqueles que tiveram suas vidas ceifadas pela navalha sangrenta
do Regime Militar (1964-1985), quantos pais não puderam rever seus filhos,
quantas mães choraram por aqueles que foram desaparecidos, mortos, torturados.
Quantas vidas foram tragadas por lutarem por liberdade? Estes também escreveram
com sangue, lagrimas e suor a história de nossa pátria. Escreveram com bravura
e com a convicção que seus sonhos poderiam ser realidade, como diz o poeta
Victor Hugo: “utopia hoje, carne e osso amanhã”.
O que não se fala muitas vezes é
que é preciso coragem. Na maioria das vezes o que é preciso é muita coragem.
Eu, particularmente me recordo de três brigas que tive no ensino fundamental
quando este pacifista aqui se tornava mesmo que momentaneamente um combatente,
não muito forte, nem muito ágil, apenas um guri de óculos, magrelo e com
ausência nítida de músculos.
Briguei três vezes quando
estudava na Escola Estadual Professor Francisco Veras. Ela é uma escola pública
da cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte. Minha cidade tem hoje coisa de 12
mil habitantes, na época (há quase uma década) a população ainda era menor do
que hoje. Briguei, apanhei e ainda fiquei de castigo e o mais engraçado: disso
eu me orgulho.
As três vezes que dei minha cara
a tapa foi em três episódios diferentes. Briguei e apanhei de um menino que
estava sendo inoportuno com a menina que eu era apaixonado na época. Eu chamei
ele para a briga e apanhei. Tudo bem, nele pelo menos eu bati um pouco. Na
segunda vez que me meti numa briga – essa é a que eu mais me orgulho –
lembro-me que um grupo de rapazes estavam batendo em um amigo meu. Não contei
duas vezes nem pensei, entrei na briga para dividir os tapas. Eles eram bem
maiores, bem mais fortes e estavam em vantagem numérica. Apanhamos juntos. Hoje
eu vejo que isso é hombridade, na época eu não fazia a mínima idéia do que
estava fazendo. Segui um instinto.
Na terceira vez foi apenas uma
discussão verbal. Eu havia sofrido um pênalti num jogo treino do pessoal da
escola sob o comando do saudoso técnico Aurélio Barbalho e tinha me machucado
feio. Não conseguia ficar em pé, mas queria bater o pênalti. Eu sei hoje que eu
estava sendo inconseqüente, mas me orgulho da rebeldia e da convicção. Eu fui
injustiçado, tinha driblado o goleiro (mesmo sendo um dos maiores pernas de pau
da escola) e não teria o direito de cobrar o pênalti? Lutei por esse direito,
conquistei e converti o chute ao gol. Resultado: um mês sem andar direito.
Esses fatos da minha infância são
apenas para dizer que eu não fazia a mínima idéia do que estava fazendo, mas
nestes três eventos eu comprei a briga, o desgaste e assumi a minha
responsabilidade com coragem de querer vencer. Lutei pelo que amei (pensava que
amava), defendi um amigo e briguei por justiça. Eu era bom e justo como hoje
não sou, isso porque as crianças são divinas e verdadeiras, diferente da grande
maioria dos adultos preocupados de mais em ganhar dinheiro em vez de acreditar
em ideais ou se incomodarem com os problemas e as dificuldades de outros.
Vivemos o império do individualismo e é preciso coragem para derrubá-lo.
No Brasil na década de 1960
quando o regime ditatorial calou a voz de muitos estudantes que lutavam por
reformas de base e trancafiou sobre sete chaves os sonhos de um Novo Brasil que
era proposto pelo presidente João Goulart e impulsionado pela força de Leonel
Brizola. Perdemos a luta, mas não perdemos a batalha. Nada de lamber as
feridas, nossas quedas são importantes para nos levantarmos e lutar pelo que
queremos.
O que em certa medida nos deixa
triste é que nós da geração de 90, finalzinho do século XX, temos uma nostalgia
porque não vivenciamos o bom combate dos nãos de chumbo, Quantos entregaram
suas vidas a luta pelo Brasil. Enquanto historiador tenho um desejo
investigativo bastante profundo e nas várias conversas que tive pude perceber
que havia um engajamento político da sociedade realmente comprometida.
Estudantes que trabalhavam duro em vários lugares e doavam parte significativa
de seu dinheiro para imprimir folhetos, pagar passagem de amigos e financiar –
muitas vezes – a fuga de companheiros caçados pela policia política. Dividir um
almoço ou simplesmente um pão. Repartir a miséria é um ato de grandeza que nos
falta no cotidiano. Sinto falta do que ainda não vivi, assim definiria Renato
Russo. É assim que me sinto.
Nesta semana fiz uma doação de cinqüenta
reais (era o que eu tinha) para que o Diretório Municipal do meu partido (o
PDT) pudesse junto com a grana de outros companheiros contratar um contador e
junto a Receita Federal pedir o CNPJ. Contribuir com a organização interna de
meu partido não é um ato de caridade, antes de tudo é uma obrigação. Muito
embora vários quadros questionem a minha agremiação eu ainda enxergo nela a
caneta pela qual eu quero escrever a história do meu Brasil. E essa escrita
precisa ser feita por várias mãos. É uma construção constante e coletiva. Sinto
falta disso, porque eu me envergonho sinceramente porque o que eu faço é muito
pouco e me envergonho muito mais porque a grande maioria das pessoas nada
fazem.
Não fazer nada é um erro. Francisco Julião diria que “o crime não está
em agitar, mas em permanecer imóvel” e isto é uma verdade inconteste, ficar
parado diante das injustiças é um crime. Não um crime contra a Constituição,
mas um crime contra si mesmo e contra a humanidade que carece de humanidade.
Mais de dez anos depois da minha
infância no ensino médio e das lutas e brigas que protagonizei, eu tenho a
honra e o prazer de ter sido eleito para o Diretório Nacional da Juventude
Socialista, neste mês de junho em Fortaleza/CE quando realizou-se o nosso 15º
Congresso Nacional. O congresso de uma juventude que tem 32 anos de lutas,
vitórias, conquistas de uma longa estrada percorrida com coragem e fé no
Brasil. É preciso saudar a cada um que quer mudanças porque é preciso inundar
esse país de mentes esclarecidas como diria Brizola.
Como eu já falei não é cruzando
os braços que iremos mudar o mundo. É agitando que se transforma e não se sacode
o mundo sem coragem. Saudações a quem tem coragem! Talvez a luta não resulte na vitória, mas não lutar
é o maior dos fracassos.